terça-feira, 30 de abril de 2013

nua...


reinações...

O rapaz  tem na face gentil sorriso, embora pense:

"Quem há de perceber que em meu interior reina a solidão e uma implacável tristeza?"

domingo, 28 de abril de 2013

outonais...()


Enquanto aguardava o semáforo ele viu a moça e pensou:
“Não fossem os prédios, teríamos o sol de outono a banhar nossos corpos frios; não fossem a larga avenida e o asfalto, caminharíamos na relva com pés descalços; não fossem os compromissos, escutaríamos o trilar dos pássaros olhando-nos nos olhos”.
O semáforo abriu e ele acelerou esquecido, rumo a mais um dia de trabalho.

crenças...()

Vestindo sofrido terno, ele bradava certezas, ali, na praça, de pé, reto, impoluto! E apontava o caminho da salvação; e investia raivoso contra os de pouca bondade no coração; e lançava ofertas de bem-aventurança; e dizia que a estrada da fé era plaina, bordeada de relva, para os que devotavam fé ao Senhor; e lamentava, vociferava contra os passantes, os hereges, os que transformavam a bem sinalizada avenida da salvação em labirintos de perdição; e dizia bastar confiar no sinal, crer nas verdades bíblicas que dele emanavam em sentenças miradas no juízo final, fiar-se em vereditos sem instâncias de apelação!

A poucos passos dali, recostado no balcão do bar entre tortas e cervejas, o homem próximo, irmão da vida desregrada, escutava pouco atento os verbos da pregação, das morais pregadas a golpes de marreta, e entendia mais prudente alimentar o corpo do que se lançar em tais aventuras do espírito, pois antes para ele as trilhas tortas do que as amplas avenidas da cega fé, pedagiadas com tarifas sempre proibitivas aos passantes, ao menos àqueles sem tamanha ambição à eternidade.

gente... ()


sexta-feira, 26 de abril de 2013

travesseiros...

Em meio ao turbilhão da metrópole, ele aspirou pelo banco da praça  ao sol de outono em céu azul, ali o rosto bonito. Quis ainda o aroma da comida do meio-dia, os sons que nada podem contra o silêncio da tarde, o andar; e, ao findar o dia, as venezianas cerradas do quarto, a cama de muitos travesseiros, a companhia...

nua...


quinta-feira, 25 de abril de 2013

bar...

Ele hábil manipula moedas e cédulas, mantendo-se concentrado nas miúdas transações financeiras. Atrás do balcão está seu mundo.

corpo...


feira...

"Ajuda, Vamo lá freguesia!
Uma mão lava outra!
Um mamão leva outro!"


terça-feira, 23 de abril de 2013

Centro...

O homenzinho de terno faz sinal para o ônibus pensando na sopa quente e nos chinelos caseiros. O dia nada lhe ofertou de bom.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

livraria... ()

Hoje, ainda a pouco, no imenso salão da livraria, com modos e pensamentos cerceados, insulado entre prateleiras, ele dispensou sentar-se só à mesa e ousou retraído gesto à caça de leitura. Com Gaston Bachelard, seus anseios se fizeram voz:

"Só eu, em minhas lembranças de outro século, posso abrir o armário profundo que guarda ainda, só em mim, o cheiro único, o cheiro das uvas que secam na grade".

centro...


domingo, 21 de abril de 2013

biblioteca... ()


Metrô... ()


entranhas...()


Por que te perdes aí na leitura e no rabisco? Isto te bem alivia a alma?

Por princípio, deixe de lado a metafísica e ponha à frente a fisiologia. Por acaso não te obrigas diariamente a pôr e livrar matéria de ti? É sobre o mecânico pôr e retirar que falamos aqui. As entranhas pedem, há sempre estranhos prazeres e alívios no pôr e no retirar, daí derivam também as razões do ler e do rabiscar!

gorjeios... ()

Se o pássaro gorjeia firme lá fora, por que aqui lês o mísero livro?

No livro me dou por livre e dos muitos fantasmas fujo, me livro. A esquálida concreta realidade cega um olho meu e lacrimeja outro. Que o pássaro bata então suas asas e corteje o céu azul; eu na penumbra dou segmento à vida, banhando-me em outras naturezas vividas, cujos sóis já não mais tanto ardem, já não mais machucam tanto a retina, mas assim mesmo penetram fundo.

desertos... ()

Ele falou cheio de si: “Tenho sim cem mil seguidores!”.
Mas quem há de segui-lo, se nenhum passo ainda foi dado, se sobre os ombros não lhe pesam bagagem, se está parado, com as mãos e o colo livres? Como seguidores, se tampouco, se qualquer deserto ainda nem percorreu?

saberes... ()

Diabos, a trilha do conhecimento sempre se desvia metro a metro da razão! Com que constância as veredas do saber estonteiam o andarilho: a cada passo dado fica a impressão que se voltou dois!

corpo...


sexta-feira, 19 de abril de 2013

Várzea no morro... ()

Gambá se dava bem nas táticas emboladas, nos avanços e recuos, no diz que tá pra ir mas já foi. 

fotografia...

Pelas galerias, a moça por um momento descansou o andar e riu à larga do fotógrafo louco, que bem enquadrava gentes, como também bem enquadrava paisagens, onde gentes, sempre gentes, se pegavam soltas, despossuídas de poses e posses, esquadrinhadas em ângulos rasos e obtusos. E, de repente, na banca de bonecas, entre rostos de bonecas, surge sabe-se lá de onde o rosto da criança e brota o riso largo de menina. Como flash, o solto riso ilumina a galeria e fixa a graça do momento. Ainda com olhos ardidos pela luz emanada do riso, o observador se rendeu às nuanças dos claros e escuros, à cadência de risos e reflexões da moça e desejou adiantar três passos, três poucos passos, – sem a ousadia de fazer do desejo ato – e murmurar às orelhas que se compunham tão bem com a boca de largo riso: “Você é bonita...”.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Paulista...()

Curioso saber o motivo dele procurar mover-se  entre os carros como se não buscasse nos passos largos chegar a um determinado destino, assim como tão certeiros faziam os que lhe opunham o caminho, aqueles que dão colo - como se crianças fossem - às notas fiscais, promissórias, certidões, ofícios e segundas vias. Mas ele serpenteava no trânsito pouco aí com o movimento vetorial dos senhores que só se deslocam  com orientação e consequência.

corpo...


segunda-feira, 15 de abril de 2013

Patriarca...

A garoa persiste e o grande arco da praça o protege. Arco tido por ele - pôde-se ouvir de passagem - como a grande "mão de Deus". 

domingo, 14 de abril de 2013

O camundongo e a madame


(Para Sofi, que é esperta como um leão e come como um ratinho)

Era um camundongo muito distinto, pois tinha por distração degustar nobres queijos.
Para que fique claro não ser este um caso banal, cabe distinguir tal hábito de outros, próprios dos demais camundongos deste mundo, que, nos últimos milênios, devoraram qualquer alimento, resultante ou não da coagulação e fermentação do leite.
O nobre roedor se afirmava pelo requinte e moderação, visto que não se dava a roer queijos com o destempero próprio dos de sua espécie, mas degustava-os como quem busca alimento para a alma, deleite para o espírito.
A apreciação –como discorria o esperto animal– exigia conhecer não só a procedência do produto, como também seus modos de fabricação:
   -    Moldagem e coagulação!
   -    Salga e pasteurização!
   -    Acabamento e maturação!
Atentar ao queijo que iria consumir –se maturado por fungo ou bactéria– era tratado pelo animal como coisa séria, lhe servia ao apetite e dava muito prazer.
Só não dava prazer à madame Lili, iniciada na arte de bem receber, nos segredos do bem-viver, e anfitriã involuntária do camundongo.
Desgostosa de partilhar sua mansão e as refeições com tão asqueroso ser, disposta a não mais aturar impertinências, Lili ordenou ao mordomo dar cabo do animal.
O mordomo, escolado nas taxas de desemprego do país, tratou de cumprir com zelo a missão. Mas, altivo que era, negou o uso da pobre e cruel ratoeira.
Preferiu outros subterfúgios, bem possível que esperando um desfecho mais intrincado, mais cinematográfico, e passou a travar franco diálogo com o camundongo:
-       Posso servi-lo emmenthal... com absinto, excelentíssimo rato?
-       No thanks, prefiro gruyère, emproado criado!
-       Talvez, munster, com... cicuta?
-       Pardon, hoje estou mais para sbrinz.
-       Permita oferecer-lhe géromé, com... arsênio?
-       Oh gracias, but I prefer pont-l’evêque.
-       E um fino cammembert, com... malation?
-       Excuse, mas terias livarot?
Aturdido ante a astúcia do animal, o mordomo abriu mão da pompa, arregaçou as mangas em seda e passou às vassouradas, mas erro-as a não poder mais e, então exausto, deu-se por vencido.
Diante de tão indecoroso desfecho, madame Lili prostrou-se e lhe foi diagnosticada fina depressão.
Ao mordomo então restou apenas zelar pelos caprichos da senhora:
-          Aceita cheddar, madame?
-          No thanks, prefiro um port-salut... com Prozac!

nua...


sábado, 13 de abril de 2013

bar

Ele se delicia ao cumprimentar todos que adentram o salão.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

lábios...

O simples prenúncio de seus lábios na conformação de um beijo já era suficiente para alterar o eixo da conversa, para mudar a lógica dos raciocínios.

feira...

A oferta do tomate a deixa feliz da vida.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

índio...

Ele se diz índio, embora não saiba precisar a tribo...

terça-feira, 9 de abril de 2013

restaurante... ()

Enquanto levava o talher com delicadeza à boca, ela dava a entender que ansiava por posses, por táticas ousadas, por saques, invasões e domínios. A moça ali jantava e se afligia, enquanto ele, ao lado, distraído de sedes ou fomes, demonstrava apetite pela arte das grandes conquistas, pois evidente era que o doutor tudo sabia sobre os reclamos e as possessões humanas, ao menos desde as Guerras Púnicas até a tomada de Constantinopla. 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

centro...()

O síndico perscruta o ambiente à busca de infrações ao estatuto. E é ele, o estatuto, em artigos, parágrafos e incisos, que lhe dá sentido à vida e é música aos seus já duros ouvidos.

corpo...


sábado, 6 de abril de 2013

restolho...()

Do chão, o cego disparou a praguejar:
“Nem mais sujeito sou, sujeito que sou das agruras do destino. Sou restolho, resto, já que tirado de mim foi tudo que me fazia alguém. Sendo restolho, dou valor ao ínfimo me dado por sobra, mas rejeito a sujeição à cega fé, pois me resta um olho, um negro e vivo olho! Olho restante, olho restolho, pelo qual vejo, pelo qual me assanho a saber do mundo, a ter ciência da miséria dos que tudo tem, daqueles que com extrema paciência tomo, do rés do chão, nota dos tantos passos apressados, abundantes, errantes...”.


Várzea no morro... ()

O nem aí de Tinho cessava no freio ao desembesto do atacante, destruía a jogada e deixava lá o quebrantado adversário. 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

baile...

Ela tanto se arrumou e a festa lhe oferta alegrias em vários tons. Mas nenhuma música a penetra fundo e a moça está distante, a muitos passos de sorrir.    

boca...

Sua boca se esmera nas palavras certas, mas as diz nas orelhas erradas. 

rabiscos

flagrantes mineiros...

boxeur