quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

corpo...


exame...

Ouviu o chamado e levantou-se, e seus passos vacilantes revelaram desconforto. Antes de deixar a sala, falou baixinho à atendente, mas  alguns puderam ouvir: “Esse exame é de rasgar o corpo e fazer sofrer a alma!”.

medidas...

Ela falou de tempos passados e zombou deliciosamente do que haveria de ser e não foi. Mas, havendo de ter sido, ficou sendo o que foi e o foi na medida exatíssima das coisas, pois mediado por graça e leveza. No fluir dos atos que bem se colocam entre o excesso e a falta, o gozo se deu na justa medida entre o muito e o muito pouco.


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

feira...

Aproveita que o patrão foi ao banheiro!
O que era metade,
agora por inteiro!
...
Aproveita que o patrão foi ao banheiro!
De tão apertado,
só volta em fevereiro!
...
Aproveita que o patrão foi ao banheiro!
Quando voltar,
encontra a banca vazia
e eu ainda solteiro!
...
Aproveita que o patrão foi ao banheiro!
Quando voltar,
repara só que bicho feio,
É olhar e dar azia!
Quando voltar,
Vai ver a banca vazia,
E eu já longe, com bolso cheio!
...
Aproveita que o patrão foi ao banheiro!
O que era metade,
agora por inteiro!


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

metrô...

A menininha entrou no vagão e logo sentou, toda comportadinha.

centro... ()

Ele comeu esfihas, olhou o relógio e se foi, como se ansiasse por escritório. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

feira...

De passagem, a moça ouviu o grito do feirante: “Mulher bonita não paga, só que também não leva!”. Por mero segundo, ela sentiu a beleza afrontada, tolhida pelo febril comércio que ali se dava alheio ao apelo das vaidades. Logo se aprumou e seguiu às compras, rindo, embaraçada.

domingo, 27 de janeiro de 2013

feira...

O Feirante: "Ah, se essa me desse bola eu trocava de sogra!".  Ela nem aí, segue indolente,  certa que adiante lhe são reservadas mercadorias mais vistosas. 

Verdureira...

A moça ergueu barraca às 5. E não é que à uma da tarde ainda anuncia verduras num tom espevitado?  

sábado, 26 de janeiro de 2013

Se... (3)

(Para Guigui, em seu Feliz Aniversário)

Se a gente tem chamego
pelo senhor morcego,
ele, carente,
não dá mais sossego.

Se a gente diz esquisito
o senhor cabrito,
ele, mimado,
tem faquinito.

Se a gente dá vez
ao cabrito-montanhês,
ele acostuma
e vira freguês.

Se a gente ralha
com a dona gralha,
ela se diz infeliz
pois só come migalha.

Se a gente não é amiga
da dona formiga,
ela, irritada,
nos pica a barriga.

Se a gente acha bonito
o senhor mosquito,
ele se gaba
e diz que é um mito.

Se a gente diz sapeca
a dona perereca,
ela fala que é santa
e nunca peca.

Se a gente faz cafuné
no senhor chimpanzé,
ele dança animado
sobre um só pé.

Se a gente dá chapéu
na dona cascavel,
ela, venenosa,
nos manda pro céu.

Se a gente briga
com a dona lombriga,
ela nos dá
dor de barriga.

Se a gente faz mal
a qualquer animal,
eles dizem que a gente
não é racional.

Se a gente faz bem
a alguém,
alguma coisa boa
pra nós também vêm.

Se...(2)

(Para Guigui, em seu Feliz Aniversário)

Se a gente fala um monte
pro senhor rinoceronte,
ele fica ofendido
e some no horizonte.

Se a gente é deselegante
com o senhor elefante,
ele chora, chora,
e vai embora ofegante.

Se a gente deixa sozinho
o senhor passarinho,
ele, tão frágil,
se recolhe pro ninho.

Se a gente conta anedota
pra dona gaivota
ela se distrai
e sai da rota.

Se a gente dá pelota,
à dona marmota
ela, tímida,
finge que nem nota.

Se a gente amola
dona galinha d’angola
ela sai correndo
toda frajola.

Se a gente faz gracejo
pro senhor caranguejo,
ele dá de difícil
e finge bocejo

Se a gente dá trela
pra dona gazela
ela corre sem jeito
e tudo atropela.

Se a gente abraça
a dona traça
ela, mirrada,
fica sem graça.

Se a gente faz mal
a qualquer animal,
eles dizem que a gente
não é racional.

Se a gente faz bem
a alguém,
alguma coisa boa
pra nós também vêm.

Se...(1)

(Para Guigui, em seu Feliz Aniversário)

Se a gente dá bola
ao tatu-bola,
ele, envergonhado,
todo se enrola.

Se a gente reclama
da dona lhama
ela logo pensa
que ninguém a ama.

Se a gente tira razão
do senhor leão,
ele, mal educado,
ruge um palavrão.

Se a gente cobra
a dona cobra,
ela diz que muito trabalha,
e nada lhe sobra.

Se a gente grita
com a dona chita,
ela, com razão,
chora e se irrita.

Se a gente maldiz
o senhor perdiz,
ele, coitado,
fica infeliz.

Se a gente ri
da dona sucuri,
ela, nervosa,
tem piriri.

Se a gente mente
pra dona serpente,
ela dá um bote,
assim de repente

Se a gente dá carinho
ao leão-marinho,
ele, todo contente,
faz burburinho.

Se a gente faz mal
a qualquer animal,
eles dizem que a gente
não é racional.

Se a gente faz bem
a alguém,
alguma coisa boa
pra nós também vêm.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Consolação...

O semáforo abriu e ele gingou ligeiro o corpo, desviando-o do  ônibus.

domingo, 20 de janeiro de 2013

parque...

Domingo no parque, entre sóis e chuvas, assim ela se fez notar. 

ímpeto...

Armando tomara a dura decisão, certo de sua natureza impetuosa. Magoa-lhe hoje admitir que tudo se resumiu a lampejos de estupidez. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A força do pequeno tigre ()

(À mocinha que encena Calderón de la Barca)

Na igreja, com olhos ainda molhados, ela fez menção ao tigre, cuja forma com graça há muito traçaram, em tempo fugido da memória. Então, num lampejo, o pesar divinamente abriu espaço à recordação do regalo comum, e ao mareado de dor se sobrepôs graça e leveza. Só assim ele foi tocado pelo valor dos afetos miúdos, que derivam no tempo, e se desprendem das lembranças, como folhas no outono.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

repartição...

Num bom trâmite de documentos, ele se liberta das agruras do viver...

domingo, 13 de janeiro de 2013

O pássaro... ()

O pássaro pousou na janela
e olhou nos olhos de quem o via.

Seu canto não era alegre ou triste,
pois livre de tormento ou desejo,
cantava apenas o momento.

O canto do bem-te-vi não era triste,
não mais que os olhos de quem o via.

sábado, 12 de janeiro de 2013

bar... ()


bar...

Intrépido, disposto a tudo, ele adentrou o recinto e anunciou em bom som: "Logo encerramos,  alguém tem mais algum pedido?".

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

vernissage...

A esposa lhe imputava falsidade e dissimulação, enquanto ele discorria sobre os límpidos e francos aromas do vinho. 

fumante...

"Fumo e trago, trago em mim  alegrias e marcas intragáveis do tabaco"

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

vernissage...()

Para ela, tanto o autor quanto o vinho careciam de clareza de expressão.

bar...

No balcão, entre uns goles e uns tragos, Ulisses conquista seus bens e seus males.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

feira...()

Olha a manga bem docinha!
Olha a manga bem docinha!
Deixa a noiva mais atlética
e a sogra diabética!

feira...

Compra tomate, dona! Compra tomate, dona! Deixa o cabelo liso, a cintura fina e a perna grossa!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A ovelha black-power ()

(aos que vivem à parte, fazendo arte)

Era uma ovelha daquelas negras.
Invocada, ciente de seus direitos,
não admitia ser tosquiada,
pois se dizia black-power.

Sendo negra, era desgarrada,
discriminada, evitada.
Assim, vivia à parte,
fazendo arte.

Um dia, o lobo da floresta
anunciou aos brados
que em bela festa
iria devorar ovelhas.

As ovelhinhas, coitadinhas,
temerozinhas, tosquiadinhas,
organizadinhas em filinhas,
choravam todas amoadinhas
a morte certa que já viria.

A ovelha negra,
ao ouvir tal bravata,
ficou possessa, irada,
inconformada.
E subiu nas tamancas,
rodou a baiana.

Mais que depressa,
foi para a floresta
ouvir do lobo
qual era seu mau.

Não se sabe o que ocorreu,
mas a partir daquele ano
o lobo se entendeu
convicto vegetariano.

E a ovelha, desgarrada,
black-power,
voltou à vida errada.

reveillon...

Valmir se pôs a brindar tomado de emoção, a todos desejando sinceros votos de um novo ano repleto de paz, harmonia e solidariedade. Mas, por via das dúvidas, antes mandou blindar seu carro importado. 

vernissage...()

Ela sorve delicados goles de vinho branco...

vernissage...

Ele tinha o vinho como complexo e amadurecido. Ela o tinha só por imaturo. 

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

vernissage...

O professor asperge conhecimentos ao vento: “A obra sintetiza desejo profundo de transformação, denotando aquilo que em ciências sociais...o vinho carece de personalidade, com aromas primários não bem caracterizados, evidenciando desequilíbrio...”.

domingo, 6 de janeiro de 2013

vernissage...

Ele se meteu a falar da falta de caráter do vinho...

floricultura...

E não é que ela borrifa delicadas gotículas, orvalhando as flores e o coração da freguesia?

sábado, 5 de janeiro de 2013

A conversa de menininha e da barata

(às meninas mimadas e seus bichinhos de não-estimação)

“Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiii!!!!!”
Assim começou a conversa da menininha e da barata.
 “!!!!!!!!!!!!!!!!!????????????”
Rebateu o inseto, em busca de fresta para melhor argumentar.
Acuada, a menina deu seguimento à prosa:
“Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiii!!!!!”
E pôs elementos concretos na discussão: daí voou chinelo, caneca e caderno.
“Garota nada elegante”, pensou a barata entre passos capengas e mal colocados.
Naquela dança, a barata avançou resoluta – porém cambaleante – em direção à menina, que retomou diálogo:
“Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiii!!!!!”
E lançou boneca, bota e bolsa.
Faltando espaço para expressar seu ponto de vista, a barata bateu asas sem plano de vôo definido.
E caiu no colo da menina, que não esperou explicações:
“Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiii!!!!!”
Foi tal o desarranjo, que mesmo escapando para lados opostos, menina e barata deram num canto só: o guarda-roupa.
Exaustas do embate, ficaram em silêncio até se notarem no mesmo refúgio, então:
“Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiii!!!!!”
E assim seguiu a conversa da menininha e da barata.

Luana na lua ()

(poeminha fonético) 

Na lua se via Luana,
Luana vivia no mundo da lua.
Longe, leve, linda.

Luana alegava que lá,
na lua,
não era só ela,
pois um lobisomem
tinha por leito
o outro lado da lua.

Laís, Leila, Lívia, Lorena e Luiza,
suas colegas,
falavam:
larga de lorota, Luana,
isso é coisa leviana.

Intolerantes,
Os tolos alunos do colégio
legaram a Luana
o apelido de lunática.

Em lírica lucidez,
Luana,
nada lisonjeada,
limitou-se às lágrimas,

Leal à Luana,
só o lobisomem,
que levou ao lado luminoso da lua
um latido lamentoso.*

* Lamentável é que só muitos e muitos anos depois os cientistas descobriram um lobisomem (então velhinho) no outro lado da lua.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

amores...

O encontro ele tramou segundo a segundo. Teceu sílaba a sílaba a sintaxe das frases, urdiu modos e ponderações. Tanto  esforço não o livrou de se enredar num frio olhar.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

amores...

A noite era fria, nuvens, chuviscava. Foi quando João ouviu que entre eles não restava mais clima. 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

2013!

Ele se viu rodeado por predições, vaticínios, promessas vãs... transcendências.
Um mundo melhor... Um mundo pior....
E proclamou: “Estamos sós! Inútil, vã febre de adivinhações e juramentos. Resta-nos tão somente a deslumbrante e feroz realidade, a ser vivida no extremo das potencialidades e no abismo do imponderável”.

Mesmo assim pensando, se juntou aos seus e desejou ardentemente, ao som dos rojões, um mundo mais tolerável e um naco de divindade. 

supermercado... ()