domingo, 27 de dezembro de 2015

Os arranjos do político com o diabo





DIABO
 Aguardávamos ardentes tua presença!
POLÍTICO
Oh, perdão o atraso. Houve uma pane na linha Vermelha, aquela que lá da terra desce a estas quentes profundezas.
DIABO
Pois bem-vindo ao inferno. Para estes imprevistos teríamos também a linha Púrpura não fossem os problemas da licitação.
POLÍTICO
Oh, compreendo...
DIABO
 Talvez um adendo ao contrato...
POLÍTICO
sim... mas por que me tiraste da dura labuta na terra?
DIABO
 És político.
POLÍTICO
...mas não pecador.
DIABO
 (virando-se para os demais diabos): ...e é dos bons, cultiva o shakespeariano dom da ironia. Aliás, onde anda o maldito bardo?
DEMAIS DIABOS
O perdemos de novo. Nalgumas vezes dá as caras por aqui, noutras, dizem que passeia no céu. Corre que o ingrato busca aqui inspiração, mas escreve nas nuvens. 
DIABO
Falávamos do pecador...
POLÍTICO
É verdade que me dediquei a uns conchavos...
DIABO
 Daqui tudo vimos admirados.
POLÍTICO
Queimar-me-ão?
DIABO
 Seria um prazer e um desperdício. Viciosos e perdulários que somos, lançaríamos alegres teu corpo e teu alma às chamas. Apesar da crescente legião de pecadores que dia-a-dia despenca sobre nossos chifres, a crise ora se abate sobre o inferno. Ocorre que estão nos faltando talentos. Aqueles que aqui adentram trazem tão só os míseros e já previsíveis pecados bíblicos. Diabos, apreciamos o tédio, mas muito mais nos deliciamos quando excitados.
POLÍTICO
Estão lhes faltando pecados?
DIABO
 Não, não, o pecado é mercadoria que temos abundante às mãos. Dela bem tiramos a mais-valia. A vida mundana nos farta de pecados. Diria eu, em modos acadêmicos – e quantos acadêmicos estão a nos servir –, que a crise é mais qualitativa do que quantitativa. Assim como vocês ao pescar pouco tiram pelo anzol carnudos peixes do mar poluído, temos garfado raras almas criativas no pecar. Gulas comezinhas, enfadonhas cobiças, pobres luxúrias... ah, disso o inferno está cheio. Já não temos mais onde depositar o carvão das ineptas almas aqui queimadas. Todas inaptas ao bom pecado. Refiro-me ao pecado genuíno, aquele que surpreende, que arrepia e excita.
POLÍTICO
E pretendem encontra-lo na política?
DIABO
 Onde mais buscar o feroz pecado senão em sua toca?
POLÍTICO
Compreendo... mas a política é a arte do bem governar...
DIABO
 Oh, Senhor! Estimamos a retórica vã e a verborragia, mas até no inferno há limites. Temos pressa e muitos assanhamentos a alimentar.
POLÍTICO
Tentarei ajudar...
DIABO
 Pois, bem. Dispensemos os grandes e bem intencionados tratados políticos, ainda mais porque já temos aqui filósofos suficientes para deles tratar. Queremos a política chã. Aquela que nasce e morre a cada dia. A que ofende o bom-senso. A política das rinhas, dos maus-modos, das rasteiras. A política das mentes ocas e das palavras toscas. Enfim, ansiamos pela política que resvala e encarde o chão.
POLÍTICO
Ah, porque não foste mais claro desde o início.
DIABO
 Ô incauto! Esperas encontrar clareza nas penumbras do inferno?
POLÍTICO
Até onde as labaredas iluminarem...
DIABO
Neste lugar o clarão das chamas só gera trevas. Desembucha, pois, sobre teus medonhos modos.
POLÍTICO
Confesso que dediquei minha vida à política mesquinha.
DIABO
 Confessar... aqui não fazemos uso de tal expediente. Veja, os colegas (aponta para os demais diabos) estão a babar pelos segredos da má política. Prossiga então caro pecador, para gozo de minha gente.
POLÍTICO
Fui garfado por Vossas Senhorias no auge da politiquice. A morte deixa uma obra inacabada. Mas atuamos em bando, digo em partido...
DIABO
 Dispensa os eufemismos, também já os temos por demais. Muitos ardem entre nós tão só pelos excessos de seu uso. Assim como construímos uma sala especial para os cultivadores dos gerundismos, reservamos uma galeria inteira para os maus poetas e suas figuras de linguagem.
POLÍTICO
Data venia...
DIABO
 (virando-se para os demais diabos) Lembrem-me de erguer um pavilhão dedicado às datas venias.
DEMAIS DIABOS
(em coro): Assim faremos Lú!
DIABO
Lúcifer! Chamem-me de Lúcifer!
DEMAIS DIABOS
Cabe lembrar que já temos o amplo salão dos advogados, que se dedicam noite e dia a cantar datas venias em refrão, em eterno Allegro vivace.
DIABO
Perfeito! (voltando-se para o político) Vai homem, fala... pelo amor de... digo, tens a palavra.
POLÍTICO
Serei sucinto.
DIABO
Deixe disso, adoramos o prolixo. Fique também à vontade para as hipérboles.
POLÍTICO
Prossigo então. Confesso..., melhor dizendo, admito que eu e os meus nos dedicamos, alinhados, em bloco, e com boa dose de sadismo, a despetalar a fina flor da democracia.
DIABO
Já tivemos muitos problemas com os que vociferam loas à democracia. Quando as percebemos sinceras, despachamos o impertinente de volta à superfície. Felizmente, são muitos os falsos democratas. Deixemos para lá... e você e os seus foram eficientes na empreitada?
POLÍTICO
Até antes dos bafejos da morte esfriarem-me o cangote, creio que sim.
DIABO
 O regimento não nos permite trazer-lhe com vida. As sádicas regras da burocracia são aqui muito admiradas. Semeamos a desordem com o adubo da burocracia.
 POLÍTICO
Entendo, lidávamos lá também até a exaustão com o torcer e o retorcer das regras. Algumas vezes chamávamos isso de “interpretação jurídica”. Posso dar seguimento às minhas colocações?
DIABO
Coloque-se como e onde o senhor bem entender. Se assim lhe convier, faça uso de um palanque, note que eles estão por todo canto.
POLÍTICO
Observo em meio ao fogo muitos palanques e púlpitos.
DIABO
Temos recebido boas safras de padres e pastores. Procuramos deixa-los à vontade. Pregam com os olhos voltados para os céus, mas têm os pés bem pregados no inferno.
POLÍTICO
 Ah, os dízimos e as contribuições partidárias... bem, voltando ao assunto, falávamos das artes da política miúda. Dos negócios de balcão.
DIABO
 Sim, da política que a todos corrompem.
POLÍTICO
Essa mesmo. A politicalha.
DIABO
Vá infeliz, siga! Abra tua alma, que não mais se ampara na muleta do que antes tinhas por corpo.
POLÍTICO
Perdão, o barulho... chamas-me entre as chamas?
DIABO
Abaixaremos o volume das almas clamantes. Estou aqui, entre o fogo, a pedir sim que prossigas.  
POLÍTICO
Sinto-me um tanto triste...
DIABO
Já penavas tu em vida na terra. Tão só não te davas conta.
POLÍTICO
Sinto-me perturbado.
DIABO
Aqui perturbamos. Vá!
POLÍTICO
As manhas do ofício me consolam. Abro perante ti meu já impalpável coração.
DIABO
Os capetas estão se mordendo exaltados. Eles estão famintos por bons pecados. Fala! Alguns de nós temos a pele em calafrios. Outros já as têm purulentas. Fala!
POLÍTICO
Havia antes resolvido me calar. Mas também carrego minhas ânsias...
DIABO
Somos todos ansiosos e mal resolvidos. Fala!
POLÍTICO
Meus advogados...
DIABO
Estão todos em fogo brando, cantando suas datas venias.
POLÍTICO
Tudo a seu tempo...
DIABO
Temos nossos assanhamentos, mas também todo o tempo do mundo. Este é um mundo onde se dilapidam horas.
POLÍTICO
Pois bem, abro-me! Quando em vida, tomamos os interesses populares como matéria vil. A soberania do povo sobrepujamos. Os princípios da legalidade fizemos uso tal qual quem se prostitui. Agimos como matilha quando em arranjos partidários. Em falsas bancadas, bancávamos bons sendo maus. Tudo que avilta e afronta demos em microfones o nome de política. Bradávamos liberdade cortejando a ditadura.
DIABO
Oh, brotam-me exultantes lágrimas... quanta torpeza, quanta vilania!
POLÍTICO
O debate em plenário ornávamos com as rendas da perfídia e da malícia. Com astúcias e mentiras alimentávamos nossas famintas bases eleitorais. Conluio, eis para mim e os meus a essência das eleições. Éramos lobos em pele humana! Fazíamos tanto das nossas que o incauto cidadão desejava a oposição quando confrontado com a situação, e aspirava a situação quando dava ouvidos à oposição.
DIABO
Uma obra genuinamente diabólica... onde aprendeu tanto?
POLÍTICO
Venho de um país emergente...
DIABO
“Emergente”, apreciamos muito esses termos. Somos pobres diabos, entre outros motivos, porque pouco estudados, mas desconfio que chamam isto também de eufemismo. Assim como os poetas, muitos santos já adentraram nossos portais por insistirem nesses pecados.
POLÍTICO
Nós velhacos aviltamos a política e cutucamos o cão raivoso que atende pelo nome de Fascismo. Flertamos com a democracia e fornicamos com o totalitário.
DIABO
Ah, os fascismos e os facínoras! Temos apreço pelos incendiários à direita e à esquerda! São eles que mantêm acesas as labaredas do inferno. Para dizer a verdade – ainda que sempre mentindo –, veneramos os extremos. O muito e o muito pouco. Curtimos a letargia e a exaltação. A melodia dos elevadores e o funk pancadão. Gostamos dos marasmos tanto quanto das revoluções. São os nossos velhos generais e suas trapalhadas revoluções que animam em orquestras e orquestrações o baile deste calorento hospício.
POLÍTICO
Pois nossa criativa mistura de indiferença com os valores coletivos e assanhamento com os interesses pessoais muito colaboraram para tornar o pobre mais pobre e o rico mais rico.
DIABO
Os capetas se mordem em êxtase. Atingistes os píncaros da ruindade. És bom no fazer o mal.
POLÍTICO
Ora tentei fazer com meu melhor o pior...
DIABO
A humildade não é boa moeda por estes lados. Tanto ardil te dará privilégios no arder em nossas chamas.
POLÍTICO
Sinto-me desde já aquecido em vossos braços e rabos.
DIABO
Quanto hipocrisia! És político!
POLÍTICO
Espero contar com os votos de todos os demônios aqui presentes.
DIABO
Seus discursos e percalços nestas trevas estão garantidos. Vamos com acalentado ódio pavimentar seu caminho entre abismos.
POLÍTICO
 Posso adiantar essa parte mediante comissão de 20%.
DIABO
Adiantar o quê, torta alma?
POLÍTICO
A pavimentação.
DIABO
Ah, perfeito! (para os diabos) O rapaz é mesmo dos bons, digo dos maus.
POLÍTICO
O senhor é meu mestre... mas peço a minha parte em “cash”.
DIABO
(para os diabos) Diabos!, Tô falando... este homem é infernal!
DEMAIS DIABOS
Medonho mesmo, Lú.
DIABO
Lúcifer! Lúcifer! Lúcifer! Canalhas! Ele é agora, se sempre já não foi, dos nossos! Providenciem-lhe um espeto, chifres e longo rabo. O rabo mantenham-no colado ao corpo, pois era da natureza terrena de tal homem o rabo preso.
DEMAIS DIABOS
Suas estridentes ordens imperam na desordem, mestre! Tanta maldade dá-nos gozosos calafrios, temos os pelos desgrenhados! Brotam-nos à pele doces furúnculos.
DIABO
Desgranhentos, vão para o inferno! (voltando-se para o político) Que dia feliz para este capeta! Estou nos céus, digo, no seio de onde brota o mal!
POLÍTICO
Tenha desde já o meu eterno afeto.
DIABO
Ah, mesmo cansado, sobram-te ainda farelos de hipocrisia. Aqui encerramos, temos que ir. Nós diabos estamos sempre atrasados no duro ofício de bem conservar o mal eterno.
POLÍTICO
Muitos conchavos juntos faremos. Vou pôr a descansar meu rabo.
DIABO
Passar bem!
POLÍTICO
No inferno?
DIABO

Ironia, meu “bom” homem, ironia. Lembre-se que aqui apreciamos muito a ironia.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Grandes personagens da nossa história

(Eduardo, o deputado, como Duque de Gloucester)

"(Anne) Demônio vil, por Deus, não nos perturbe,
Pois fizeste da terra, antes serena,
Teu inferno de dor e imprecações.
Se tens prazer em ver teus feitos bárbaros,
Aqui tens bom exemplo das desgraças.
Olha aqui tua obra, carniceiro!"
"Ricardo III", Willian Shakespeare

Hertford Union Canal...


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

drops...


político... ()

"Tal qual um candidato, não podes suportar com serenidade as votações?"
"Sobre a ira", Sêneca

político... ()

"Mas se cairmos em uma época em que a vida política for impraticável, será necessária a iniciativa de reivindicar mais tempo para o ócio das letras e, tal como em uma navegação arriscada, buscar a  todo momento um porto, e  não esperar até que os riscos nos abandonem, mas nos desvincilhar dele por nós mesmos".
"Sobre a tranquilidade da alma", Sêneca

A metamorfose... ()

"E em tal estado de aprazível meditação e insensibilidade permaneceu até que o relógio da igreja deu as três horas da madrugada. Ainda pôde viver aquele começo de madrugada que despontava por trás das vidraças. Depois, contra sua vontade, sua cabeça tombou por completo e seu focinho despediu debilmente seu último alento".
"A metamorfose", Franz Kafka 

rua...


sábado, 5 de dezembro de 2015

o amor e a morte... ()

"[VIRGÍNIA] (...)  - Mas não sei o que significam.
[FANTASMA] - Significam - disse ele tristemente - que você deve chorar comigo pelos meus pecados, porque não tenho lágrimas, e orar comigo pela minha alma, porque não tenho fé, e depois, se você tiver sido sempre doce, boa e gentil, o anjo da morte terá piedade de mim. Você verá formas medonhas na escuridão e vozes más sussurrarão em seu ouvidos, mas não lhe farão mal, pois, contra a pureza de uma criança, nada podem os poderes do Inferno".

France...

"Só encontro descanso
se comigo vejo o mundo desabar em ruína;
que comigo tudo pereça. É agradável tudo arrastar ao morrer".
"Medeia", Sêneca.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

político... ()

"Vale notar que, de um lado, numa situação política opressiva, um homem sábio encontra ocasião para se manifestar, e, de outro, numa situação próspera e feliz, reinam o dinheiro, a inveja e mil outros vícios da inércia. Portanto, dependendo de como se apresentar a situação política, do que nos permitir a fortuna, assim nos expandiremos ou nos retrairemos; de todo modo nos manteremos em movimento e não imobilizados pelas amarras do medo"
"Sobre a tranquilidade da alma", Sêneca.

político... ()

"Ou estou enganado ou é como estar em seu próprio reino a condição de ser único, no meio de avarentos, embusteiros, ladrões e bandidos, a quem não se pode lesar".
"Sobre a tranquilidade da alma", Sêneca.

político...()


"E não invejemos os que estão mais elevados: o que parecia estar nas alturas está defronte a um precipício".
"Sobre a tranquilidade da alma", Sêneca

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

o amor e a morte... ()

"VIRGÍNIA: - O senhor se refere ao Jardim da morte - murmurou.
FANTASMA: - Sim da morte. A morte deve ser bela. Deitar-se na macia terra escura, com a grama a balançar sobre a cabeça e escutar o silêncio. Não ter ontem, nem amanhã. Esquecer o tempo, perdoar a vida, estar em paz. Você pode me ajudar, Você pode me abrir os portais da casa da morte, pois o amor está sempre com você, e o amor é mais forte do que a morte".
"O fantasma de Canterville", Oscar Wilde.

político... ()

"Quando chegamos a pensar sobre quão rara é a sinceridade, quão desconhecida a inocência e quase ausente a lealdade, exceto quando é vantajosa, e quando nos vêm à mente a quantidade de crimes exitosos e os ganhos e perdas igualmente execráveis de uma vida devassa, e a ambição que já não se contém nos próprios limites, a ponto de brilhar pela sordidez, nossa alma é lançada na escuridão e, como se banidas as virtudes, as quais não se pode mais esperar nem adianta possuir, alastram-se as trevas".
"Sobre a ira", Sêneca.

político...()

"Tão grande, no entanto, é o mau-caratismo dos homens, que, apesar de terem recebido muito, é para eles motivo de ofensa o fato de que poderiam ter recebido mais"
"Sobre a ira", Sêneca.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

político... ()

"E se as mãos quisessem fazer mal aos pés, e os olhos às mãos? Assim como entre si todos os membros estão em harmonia porque interessa ao todo que cada um deles seja preservado, assim também os homens pouparão cada um dos indivíduos porque foram gerados para a coletividade, e a sociedade, por outro lado, não pode manter-se preservada senão pela conservação e pelo amor de suas partes"
"Sobre a ira", Sêneca. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

político...()

"É preciso um longo tratamento contra males contínuos e fecundos, não para que desapareçam, mas para que não vençam".
"Sobre a ira", Sêneca.