quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

o garoto passa... ()

Que presente terá sido negado ao garoto que aparenta temer o futuro...

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

pensares... ()

Ele levou à boca o delicado chocolate e pensou:
"Por mais que libertemos a mente da corrupção do espírito e da língua, por mais perfeitos que nos tornemos no exercício da razão humana, jamais teremos esperança de deter um conhecimento completo da natureza que nos cerca." (Giovan Battista Vico)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

geografias...

Estirada, torrando ao sol na praia lotada, a moça confidencia - pode-se ouvir - estar perdida, sem rumo, sem chão, carente de norte. Pelas veredas incertas da vida, ela havia se deixado levar. Na areia, o bicho geográfico a lhe tocar a pele.

domingo, 14 de dezembro de 2014

apetites... ()

O quê deseja, senhorita?

O que lhe apraz neste conturbado mundo? No que a posso servir, saciar sua fome de sonhos? O que posso lhe oferecer para aplacar tão apurada sede? Eis aqui o breve cardápio de afetos e simpatias, a carta de delicados gestos. Menu que oferta singulares iguarias para encanto e fugaz sorriso da nobre clientela. No jogo bruto dos apetites, aqui servimos tão só produtos de fina culinária. Aquela que se quer sustento da alma, que nutre corações. Aquela que no amargor do mundo expõe à vitrine apenas desejos de caprichada confeitaria.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Gui...

Que menino é esse que dorme angelical sob os raios oblíquos do sol de primavera?
O odor do puro café a encantar a conversa à mesa forrada de sol e ele a dormir, como se do burburinho emanasse doce melodia. Sono sustentado no acalento da tarde dominical. Sono que prenuncia despertares ao cair da noite e à madrugada, lançando os pais em polvorosa, em sonâmbula alegria. 

sábado, 6 de dezembro de 2014

sinistro... ()


Ainda que em trânsito lento, os dois veículos se aproximaram de direções opostas e tocaram de leve latas. Do acidente restaram delicadas ranhuras e a troca discreta de cores – um preto, outro branco; o branco no preto, o preto no branco. Janela a janela, se entreolharam os condutores ante o acidente débil. Um então engalfinhou olhares com o outro, e, não fosse a proximidade entre portas, uma roçando a outra, impedindo-os de extravasar a fúria em choro ou soco, haveria muito mais a se lamentar em vergonha ou dor.  A posição dos veículos a lhes negar ações mais intrépidas fê-los tirarem proveitos da língua. Deu-se então na curta vida daquele espetáculo o ato das xingações. Peito estufado, um motorista pôs-se a imprecar com tanto talento que desconcertou o sujeito preso à outra janela. Mãos já não no volante, mas a esmurrar o vazio, o talentoso homem discursou bonito, ainda que usando palavras feias. Sugeriu ele ao outro um vasto repertório de práticas que qualquer vigário, mesmo os mais progressistas, certamente as teriam por indecentes e dispensáveis à reprodução da espécie. Insinuou o hábil orador que o colega da outra janela contaria com parentes próximos – a mãe e as irmãs, se permitem o detalhe – a praticar atos de amor em troca de algum níquel. Mesmo que a xingação chocasse alguns poucos e divertisse muitos, nenhum espectador quis se intrometer, ainda porque os muitos a incentivassem entre apupos e aplausos. Encurralado entre o volante e os impropérios, o motorista da outra janela reagiu com outros insultos, esses apoiados em acenos vis, visto que seu repertório era mais pobre e pouco ajeitado à ocasião. Nas imprecações, comparou o oponente a figuras animais, supôs o outro com deficiências cognitivas, impôs-lhe alguma analogia escatológica, e só. Na eminência do nocaute verbal, chegou em sirenes estragando a festa a polícia. E pôs os condutores calados e seus carros riscados para rodar. 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

o menino... ()

O menino achou uma brecha de chão dentre tanto concreto. O menino lá brinca com terra como se lá não houvesse cidade. E faz de lá seu ninho, como passarinho. Mas não demora e vem a hora de voltar. E ele sujo vai para casa, um apartamento. Sobe de elevador para fazer uso de sabonete antisséptico e de computador.  

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

domingo, 16 de novembro de 2014

praça...


O sol da primavera não é suficiente para tirar-lhe um sorriso...

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

domingo, 9 de novembro de 2014

O homem que dava ouvidos ao que ele mesmo entre dentes sibilava ()


Recostado à porta do bar, indiferente ao passar dos muitos carros, o homem se detinha consigo próprio em balbucios e lamentos. Que tantas reprimendas lhe eram feitas por quem a si mesmo reprimia? Decerto, dava vazão às angústias nascidas naquele que tanto afligia como tanto se estreitava. A gestos largos se lançava o sujeito contra o outro que ali também estava. Em conversas se perdia com o outro que ali mesmo se encontrava. Combatia ele o que ele espelhava? Afirmava ele o que o outro lhe negava? E lá ficou o homem a segredar ao homem o que ele muito já sabia. O que muito já sabia, mas que ele muito renegava. E contrafeito murmurava argumentos contrários aos que o outro tampouco objetara. Deu dois passos o sujeito e pareceu dizer a si e ao outro que àquilo não mais se sujeitava. Doravante, a dor do outro muito pouco lhe importava, e em passos firmes seguiu adiante. E lá foi o homem seguindo colado os passos do homem que pensava ao longe se adiantar.