quinta-feira, 21 de abril de 2016

O lobo e a ovelhinha...()



Na borda da floresta, o lobo esperava paciente um bom negócio:
- Olá querida, o que a faz trilhar sozinha caminhos tão perigosos, digo, primorosos? – falou o lobo babando ao avistar a ovelhinha.
- Ah, passeio em meio às árvores e flores neste dia azul azul, feliz por viver num mundo tão bom e justo! – disse a ovelha em tom que até comoveu o lobo.
- E você bondoso lobo, parece tão ansioso e ofegante!
- Ah, na verdade estou resfriado e a asma me é persistente, assim como a bronquite... que torna meu respirar um tanto sibilante, mas temo mesmo é a pneumonia, ainda mais sem companhia... – falou o lobo, que era falso e um tanto hipocondríaco. 
- Ai que dó, como pode tão bondoso lobo viver só? – falou a ovelha com os olhinhos já em lágrimas.
- Pois é, doente e sem parente... – disse o lobo quase não se contendo.
Como a ovelhinha chorasse a rios, o lobo resolveu caprichar ainda mais:
- Isto não é tudo minha cara, me dói o peito não as agruras da saúde, mas a perda da minha gente devido ao trágico acidente...
- Acidente!!??? – arregalou os olhos marejados a ovelha.
- Sim, sim, acidente, grave acidente, do qual a dor não permite que eu comente...
- Ah, fale meu bom lobo, desabafe, não deixe que o sofrimento consuma as forças de seu viver – falou bonito a ovelhinha, dum jeito que novamente abalou o lobo.
Porém, ao lembrar sua natureza, o lobo rápido se aprumou. Então, enxugou uma lagrima sincera que lhe escorria à face e lançou tempestade de outras lágrimas, agora de crocodilo:
- Está bem, está bem, contarei a você agruras que nunca contei a ninguém! – se fez teatral o lobo, e prosseguiu:
- Belo dia uma matilha de lobos – inclusive este que vês – estávamos percorrendo uma trilha, quando... quando... quando...
- Tome meu lenço, bondoso lobo!
- Obrigado ovelhinha – gaguejou o lobo debulhado em lágrimas, para então prosseguir, mas só após assuar seguidas vezes o nariz sujo no lenço alvo da ovelhinha:
- Como disse, íamos felizes pela trilha, feito lobos, mordendo-nos uns aos outros, quando, na pista contrária, um elefante em disparada ultrapassou um rinoceronte, derrapou durante a manobra, perdeu o controle e... Oh! Meu Deus, não posso...  
- Dói-me seu sofrimento, mas tente prosseguir meu bom lobo! – falou piedosa a ovelhinha, abraçando o lobo de modo tão envolvente que seu pescoço chegou a lhe roçar a boca grande e os dentes afiados.
- ...E o pesado elefante atingiu-nos a todos, lançando lobos pra todo lado. Não sei se foi a pista escorregadia, pois chuviscava, ou a má sinalização, pois numa curva, ou a pouca visibilidade, pois escurecia; de todo modo, aconteceu, só eu escapei... todos meu queridos companheiros mo...mo...morreram...e lá mesmo foram enterrados...buaaaaaaaa!!!!!!!! – esgoelou o lobo, desmoronado dramático no chão, mal disfarçando a vaidade pela magnífica interpretação.
- Chore, chore em meu ombro bom lobo, assim se sentirá mais aliviado – disse a ovelhinha ajudando o lobo a se levantar. 
Ficou assim o lobo por um bom tempo abraçado à ovelhinha, jeitão arqueado, misturando lágrimas e saliva. As lágrimas, forçadas pela farsa, já a saliva, involuntária, pelo apoio de queixo e boca grandes no cangote macio e suculento da ovelhinha. 
- Como posso ajudá-lo, bom lobo? – falou a ovelhinha o que o lobo esperava ouvir 
- De modo algum pretendo lhe trazer estorvo minha linda ovelhinha...
- Oh, não pense assim, ajudar os outros me trás grande felicidade...
- Se é assim, poderia me acompanhar até onde estão enterrados os saudosos companheiros, pois sozinho não posso seguir adiante, já que impedido pela, não lhe contei? Artrite e tendinite – disse o lobo tirando proveito da hipocondria. 
- Irei com prazer bom lobo, isto lhe fará bem. Mas como sabe onde estão enterrados seus parentes? - Disse a ovelha sem desconfiar de nada. 
- Ora, todos estão à beira da trilha, no meio da densa floresta. Seus túmulos foram marcados com cruzes que eu, mesmo na ocasião muito machucado, cravei no solo em lembrança daqueles que amei – disse o lobo imaginando farto jantar sob a folhagem das árvores. 
- Se é assim, partamos já, pois não demora escurece – disse a ovelha, ávida por trazer um pouco de conforto ao lobo. 
- Então me apoie com sua patinha, pois, não lhe contei? Sofro também de labirintite – disse o lobo todo coitadinho. 
E lá foram lobo e ovelha de patas dadas pela floresta adentro,  ele cheio de apetite, ela de ternura.
Tanto caminharam que a ovelhinha perguntou:
- Já tarda bom lobo, onde estão as cruzes?
- Alhures, alhures... – respondeu o lobo sem nem olhar para a ovelha.
No andar, o lobo notou trêmulas as perninhas da ovelha. De soslaio, percebeu que o apetitoso bichinho tremia ante à imensidão da floresta e à escuridão da noite que desabava sobre eles, mas nada disso a detinha.
Por um instante, só um segundinho, esqueceu o lobo a fome e foi tomado por afeto, sentimento que até então não conhecia. Mas rápido se aprumou novamente, acelerando o passo. 
Nem bem se fez outra vez lobo, lhe perguntou a ovelhinha:
- Tem como eu fome bom lobo? O quê aprecia comer?
- ...Ah, para ser sincero, a gastrite me tira um pouco o apetite! – Falou pausado o lobo, com jeito meio canastrão.
- Então prossigamos bom lobo, pois minha fome não é nada ante a dor que sentes por seus parentes... – disse suave a ovelhinha.
- Não, não, não! Faço questão, paremos neste instante! – encenou o lobo, interessado em engordar seu jantar, mas também – um tiquinho – querendo tornar menos árido o caminhar da ovelha. 
No entanto, a ovelha não quis parar. Poderia se servir da farta relva, mas isto não fez. Partiram então os dois, lobo e ovelhinha, com fome para o coração da floresta. 
Por um tempo caminharam silenciosos, até que a ovelha novamente perguntou:
- Meu bom lobo, onde estão as cruzes?
- Alhures, alhures... – disse o lobo, de novo sem encarar a ovelha. 
Falastrão que era, resolveu o lobo quebrar o gelo com um pouco de sarcasmo, como era de seu feitio:
- ...Ah, aquele elefante... foi tão cruel... só de pensar...
- E eu que nem imaginava haver elefantes por estas bandas, pensava que fosse bicho de outros continentes... da África, da Ásia... – disse pensativa a ovelha sem atinar para a farsa. 
- Ah... é... é... é que no meu caso, no acidente, nós lobos fomos atropelados por um elefante muito raro, em extinção, diferente, acho que tinha um topete cor lilás, não sei... o trauma me foi grande, sentiria até orgulho em deparar com aquele bicho, não fosse a ocasião tão delicada, sofrida, ai, só de pensar me dá dor no peito, tomei até remédio, mas não fez efeito... – disparou o lobo a falar, sem se importar muito em dizer coisa alguma. 
- Calma bom lobo, está muito nervoso – disse a ovelha, colocando a patinha trêmula por sobre os ombros de seu amigo, com modos tão gentis que confundiu mais uma vez o lobo, cujo coração batia então macio, num compasso estranho aos animais de sua laia. Mas da boca pendia saliva grossa, própria aos que têm muita fome.
Para disfarçar, o lobo perguntou meio abestalhado:
- Doce ovelhinha, fale-me sobre você. Tenho por hábito conhecer bem minha refeição, digo, a quem tenho afeição! 
Melhor tivesse o lobo ficado quieto, pois a ovelhinha contou uma historia triste, muito triste, igual ao canto dos pássaros que anunciavam a noite: 
- Bom lobo, cedo também perdi meus entes queridos, devorados que foram por feras. Nem por isto deixaram de me tosquiar.  Sem lã, fui lançada em campo gélido, sob rigoroso inverno, onde, longe da relva ou qualquer ramagem que me dessem sustento, definhei até sentir de perto a morte. Mas a alegria de viver neste mundo tão bom e justo foi maior que minhas agruras...
- Basta, basta, basta! – Disse o lobo com olhar esbugalhado de tanto choro, agora sincero, limpando o nariz que escorria em cascata no lenço já não mais alvo da ovelhinha.
O lobo estava mesmo muito perturbado, tanto que procurou com galhofa sustentar sua natureza cruel, que temia desabar diante da frágil ovelhinha:
- Deixemos de historia e vamos prosseguir nosso destino, se não a janta esfria...
E assim caminharam por um bom tempo, um encostado no outro, a ovelha perguntando, o lobo respondendo:
- Onde estão as cruzes?
- Alhures, alhures...
- Onde estão as cruzes?
- Alhures, alhures...
- Onde estão as cruzes?
- Alhures, alhures...
Chegaram enfim ao fundo da floresta, onde, sem nenhuma testemunha, qualquer lobo em plenas faculdades devoraria tranquilamente uma ovelha.
Ocorre que aquele lobo não estava em plenas faculdades. Isto já notara a ovelhinha. A angústia do lobo alterou sua aparência: pelo desgrenhado, suores, tremores e a saliva que insistia em escorrer a fio.
Mas de nada desconfiou a ovelhinha, pelo contrário, mostrou mais simpatia pelo amigo, pensando ser próprio à alma bondosa do lobo sofrer assim pelos companheiros perdidos. 
No entanto, o problema do lobo era com ele mesmo. Enquanto caminhavam para o centro da floresta ardia nele batalha íntima, das entranhas com o coração. As primeiras pediam sem demora carne, o segundo, afeto. 
Nesse descompasso, caminhava sofrido o lobo, certo de que animais de sua natureza não vacilam, como a águia no voo certeiro à caça da lebre. 
Chegaram finalmente em uma clareira, onde a falta de árvores permitiu que alguns raios do luar os iluminassem. Como quisesse espantar de vez suas aflições, ganhou o lobo coragem e tentou se lançar num único bote sobre sua presa, a ovelhinha. Mas de súbito recuou, horrorizado com tão perverso ato. 
 Parado, em recuo, abobalhado no meio da trilha, o lobo nem teve tempo de reagir, foi atropelado por um elefante. Mal havia sido amassado pelo enorme bicho lhe pisaram também o domador e toda a trupe – palhaços, malabaristas, trapezistas, mágicos e músicos - do circo ao qual pertencia o elefante fujão. Foi tudo tão rápido que só a ovelha percebeu o penacho lilás à testa do elefante, ao modo de um topete. Coisa de circo.
Ficou ali o lobo por alguns segundos estatelado no chão duro da floresta, ouvindo o fiapo de música que seguia longe com a banda no rastro do elefante, até ser recolhido ao colo da ovelha. Gravemente ferido, balbuciou o lobo:
- Vejo luzes, vejo luzes! 
- Onde bom lobo, onde? – perguntou agoniada a ovelha. 
- Alhures, alhures... – respondeu o lobo olhando fixo para o céu então escuro como breu. Logo depois desmaiou, enfartou, quase morreu.
Passados alguns meses em tratamento intensivo, o lobo mau melhorou, embora tenham ficados graves sequelas. Um tanto perturbado, ele é hoje visto de um lado para outro, sem rumo certo, zanzando há mais de ano, gritando que desde bebezinho é vegetariano.
A ovelha nunca mais o viu, mas sempre repete baixinho:
- Lobo como aquele nunca existiu...

terça-feira, 12 de abril de 2016

outros planos...

Tem a moça o desplante de eleger outros planos, de não se plantar com grossos panos em reza e pudor, planando nua muito acima dos que por ela abaixo pranteiam.  

sexta-feira, 8 de abril de 2016