(Para a dona da Katy e da Havana)
Inácio, o galináceo, vindo de longe, do mato
cerrado, donde os galos cantam a plenos pulmões, adentrou o quintal emparedado,
donde o sol se esconde vez em quando entre altos prédios.
Chegou
triunfante e esparramou-se em cacarecos, em altos cantos, certo de que o dia
estaria em breve a raiar em lindo alvorecer.
E mais cocoricou porque do muro lhe chegou à vista duas formosas
galinhas, ainda empoleiradas, encantonadas, alheias ao canto de Inácio e aos
primeiros humores da manhã.
Katy e Havana, duas frangas sonolentas, ainda
de toucas, entocadas, mal humoradas, duas frangas citadinas, migradas do campo,
há muito urbanizadas.
“Que galo formoso, bem afeiçoado!”, admitiram
as galinhas ainda de olhos meio fechados, um tanto remelosos. Mas logo
reagiram, e do poleiro praguejaram: “Formoso seria esse galo, não fosse ele o
próprio diabo a fazer tanto esparramo, a gritar em altos brados, a cedo cucuritar
em versos mancos, a azucrinar nossas orelhas, que cedo não cedem à melodia, só
depois do meio-dia!”
Porém, grande é a autoestima dos galos. Daí,
Inácio, o galináceo, exibindo a linda crista sob os raios oblíquos do primeiro sol,
lançou longo, longo grito, como numa récita, como se fora tenor:
“Cócócócóri...CÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓOÓÓ!!!!!!!!!!”
O canto ecoou vigoroso por entre as empenas
dos prédios vizinhos e bateu doído, dum modo que deu pena, nas orelhas das
frangas cheias de sono.
“Isso não é galo, é o cão; de madrugada, que
danação!” se rebelaram as galinhas, ainda que sem tirarem do poleiro as quentes
patinhas.
“Essa hora, qualquer grito e eu me irrito!”, abriu
o bico Katy.
“Essa hora, qualquer canto e eu me espanto!”,
abriu o bico Havana.
Mas o galináceo queria sucesso. Dali do muro
se via num palco, tendo por holofote o sol que principiava. No dourado da manhã,
sentiu sua crista reluzir, suas penas se encresparem. Inácio então encheu o
peito e encenou o derradeiro ato:
“Cócócócóri...CÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓOÓÓ!!!!!!!!!!”
“De manhãzinha, mas que canto de peru!”, piou
Katy.
“De manhãzinha, isso é galo ou urubu?” piou
Havana.
Irritadas, as frangas cacarejaram num só
coro:
“Calado!
Calado!
Calado!”
Enfim magoado, Inácio baixou a crista. E lá
se foi embora Inácio, o galináceo, convencido de que na cidade galo de muito
alarido não dá pra marido.
E lá se foi o galo Inácio, calado, lamentoso
de que naquele terreiro não haveria de ter ovo galado.
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