terça-feira, 17 de setembro de 2013

Inácio, o galináceo ()

(Para a dona da Katy e da Havana)

Inácio, o galináceo, vindo de longe, do mato cerrado, donde os galos cantam a plenos pulmões, adentrou o quintal emparedado, donde o sol se esconde vez em quando entre altos prédios.
 Chegou triunfante e esparramou-se em cacarecos, em altos cantos, certo de que o dia estaria em breve a raiar em lindo alvorecer.  E mais cocoricou porque do muro lhe chegou à vista duas formosas galinhas, ainda empoleiradas, encantonadas, alheias ao canto de Inácio e aos primeiros humores da manhã.
Katy e Havana, duas frangas sonolentas, ainda de toucas, entocadas, mal humoradas, duas frangas citadinas, migradas do campo, há muito urbanizadas.
“Que galo formoso, bem afeiçoado!”, admitiram as galinhas ainda de olhos meio fechados, um tanto remelosos. Mas logo reagiram, e do poleiro praguejaram: “Formoso seria esse galo, não fosse ele o próprio diabo a fazer tanto esparramo, a gritar em altos brados, a cedo cucuritar em versos mancos, a azucrinar nossas orelhas, que cedo não cedem à melodia, só depois do meio-dia!”
Porém, grande é a autoestima dos galos. Daí, Inácio, o galináceo, exibindo a linda crista sob os raios oblíquos do primeiro sol, lançou longo, longo grito, como numa récita, como se fora tenor:

“Cócócócóri...CÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓOÓÓ!!!!!!!!!!”

O canto ecoou vigoroso por entre as empenas dos prédios vizinhos e bateu doído, dum modo que deu pena, nas orelhas das frangas cheias de sono.  
“Isso não é galo, é o cão; de madrugada, que danação!” se rebelaram as galinhas, ainda que sem tirarem do poleiro as quentes patinhas.
“Essa hora, qualquer grito e eu me irrito!”, abriu o bico Katy.
“Essa hora, qualquer canto e eu me espanto!”, abriu o bico Havana.
Mas o galináceo queria sucesso. Dali do muro se via num palco, tendo por holofote o sol que principiava. No dourado da manhã, sentiu sua crista reluzir, suas penas se encresparem. Inácio então encheu o peito e encenou o derradeiro ato:

“Cócócócóri...CÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓOÓÓ!!!!!!!!!!”

“De manhãzinha, mas que canto de peru!”, piou Katy.
“De manhãzinha, isso é galo ou urubu?” piou Havana.
Irritadas, as frangas cacarejaram num só coro:

“Calado!
Calado!
Calado!”

Enfim magoado, Inácio baixou a crista. E lá se foi embora Inácio, o galináceo, convencido de que na cidade galo de muito alarido não dá pra marido.
E lá se foi o galo Inácio, calado, lamentoso de que naquele terreiro não haveria de ter ovo galado. 

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