segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O brejo da rã

(Para garotinhos e garotinhas que vivem em cidades engolidoras de brejos)

             Era uma rã, daquelas que não se veem mais nas bordas das cidades. 
             Rãs vivem em brejo, sem ele, somem. Não é, no entanto, o caso da rã desta história.
Por mais que a cidade tivesse crescido, estendido seus longos braços pelos campos, coberto terra e mata com asfalto, lançado concreto onde havia relva e rio, a rã se mantinha impassível, em seu canto.
Rãs impassíveis são aquelas que não se importam com o que acontece à volta. E por mais que as coisas tenham acontecido naquele lugar, a rã realmente parecia indiferente a tudo.
Antes que digam que isto é absurdo, que animais não tem tal sentimento, é bom deixar claro: nesta história, rãs são ranzinzas, ranhetas, rabugentas, mas também razoáveis, radiantes e sonhadoras, como os humanos.
E a rã da qual aqui se fala era também sonhadora. Indiferente e sonhadora.
Mas como pode bicho ser essas duas coisas ao mesmo tempo? Ninguém sabe. As rãs são mesmo difíceis de entender. Se não tem jeito de entender as rãs, entendamos ao menos o brejo.
Brejo não é lugar do gosto dos homens, mas é muito apreciado pelas rãs, sapos, mosquitos, pernilongos, muriçocas, cobras d’água e outros bichos.
Ao contrário das rãs e seus amigos, que o tem como agradável, a maioria dos homens acha o brejo muito úmido, frio, ventoso, barrento, mal-cheiroso. Brejo suja sapato e barra da calça. Não permite piquenique. No brejo não dá para jogar bola nem peteca. Se fica parado, afunda; se coloca banco, afunda; se passeia de carro...atola! Ai, que problema é o brejo!
É por isto que rãs e homens não se relacionam bem, rãs adoram brejo! Mosquitos não incomodam rã, pelo contrário, enchem-lhe a barriga. Rãs só afundam no brejo se quiserem – e muitas vezes querem. Como rã não usa sapato, não joga peteca ou futebol, muito menos tem carro, para ela brejo é paraíso!
Vejam a que ponto chega a coisa: basta dizer que quando algo dá errado, o homem fala “foi para o brejo!”. No caso da rã, ir para o brejo quer dizer que tudo se passou às mil maravilhas.
Desta forma, era para as rãs ficarem na sua - no brejo - e os homens longe dele. Mas não é isso que acontece.
Homens também são difíceis de entender. Não gostam de brejo, mas o ocupam. Na verdade, ocupam para que ele deixe de ser o que é.
Acham que para o brejo deixar de ser brejo basta colocar em cima dele prédio, avenida, shopping center, viaduto e outras tranqueiras feitas de concreto, asfalto ou aço.
Acontece que, tal como homens e rãs, os brejos são teimosos. Eles ficam ali, quietinhos, fingindo ser cidade. Tão sossegados que até os homens esquecem que estão sobre brejo.
 Mas quando chove... dá enchente! Enchente é sinal que a cidade ocupou lugar que não devia.
Brejos são amigos de córregos e rios. São tão bons companheiros que os rios sempre visitam os brejos, ainda mais quando chove. Lá os rios se amansam, ficam tranqüilos, chegam e saem de mansinho.   Não precisa ser rã para saber disso.
Como os rios têm saudade dos brejos, nas chuvas mais fortes eles os procuram, mesmo quando os brejos estão disfarçados de cidade. Trazem até presente: adubo.
Rios, quando presos, apertados, ficam inquietos, igual bicho e gente. Se a cidade aperta o rio, não sobra espaço para ele abraçar o brejo. Aí, nervoso, o rio avança sobre a cidade, é enchente!
Então, o brejo que se pensava cidade volta a ser brejo, só que com um montão de gente dentro. Gente e sujeira: pneu, garrafa de Coca-Cola, chicletes, palito de dente, sofá velho, sofá novo, televisão, tênis, papel higiênico, rato morto, rato vivo, xixi de rato... tudo boiando.
Como as pessoas não se dão com essas porcarias, ficam doentes. Doentes, com a casa cheia d’água e os móveis estragados. Ninguém merece!
E o que tem nossa rã a ver com tudo isso?
Diferente das outras, essa rã decidiu ignorar o avanço da cidade. Ficou ali, impassível, ilhada (Neste caso, ilhada não quer dizer envolta em água, mas isolada).
Cercada de asfalto, seu coaxar foi abafado pelo ronco dos motores. Mas ela pouco se importava. Alheia ao burburinho, fazia de conta que em seu brejo não tinha cidade. E sonhava com água barrenta.
Pois água barrenta ela tinha nas enchentes. Seu coração – na verdade, ela inteira - ficava aos saltos com as chuvas fortes. E boiava fagueira naquela porcaria. Certas rãs são mesmo difíceis de entender. E por acaso dá para entender os homens? Estão sempre sonhando com um lugar perfeito para viver, mas fazem pouco de suas cidades.
            E mesmo as rãs sonhadoras despertam. A nossa um dia percebeu que construção em cima de brejo é uma coisa esquisita, pois na verdade o lugar deixa de ser brejo, mas também não vira cidade. Estraga a vida das rãs e não ajeita a dos homens.

           Sonhadora, porém já não indiferente, a rã decidiu viver com seus parentes. Mas para isto teve de pular por mais de mil quilômetros. Porque os homens e suas cidades já tinham engolido muitos, muitos brejos... 

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