sábado, 12 de abril de 2014

A coruja e o papagaio

A coruja era versada em variados temas e facilmente explanava sobre literatura italiana, revolução cubana ou sobre a cultura da cana.

 Já o papagaio era ave de poucas letras e muitas falas. Especulava a respeito de qualquer assunto barato, passageiro, banal, sem importância. A ave cheia de cores tinha só ouvidos para os boatos inconsequentes, as maledicências, as conversas ligeiras e as fofocas juvenis.

Apesar de tipos tão distintos, os bichos não se davam de todo mal. A afoiteza do papagaio realçava a prudência da coruja, a relutância da coruja valorizava o atrevimento do papagaio.

Desse jeito, a coruja podia tratar de complexos temas, como as equações e os teoremas; o papagaio, sobre qualquer coisa ordinária, como os encantos do tucano por uma canária.

Acontece que certo dia embrenhou-se na mata um faminto tigre. Diante de tão cruel espécie, o papagaio só viu o que merecia ser visto: uma enorme boca e muitos afiados dentes. Fofoqueiro e boa alma que era, fugiu anunciando o perigo aos quatro ventos.

Por sua vez, a coruja, atenta ao paradoxo de tigre africano em continente americano, explorou o que para ela foi tido por simulacro. Pôs o tigre em questão e aproveitou a ocasião para discutir globalização.

O tigre, fugido da cidade, pois cansado de passar necessidade em circo pobre e de pouca variedade, foi mais incisivo no debate, cortante na argumentação, e de pronto jantou a coruja.

Testemunha do ato vil, o papagaio ligeiro levantou voo tagarelando que diante de fatos não há argumentos e muitas outras asneiras mais.

Tempos depois, confirmando tendência já anunciada, a mata foi loteada por empresa globalizada. E o papagaio, desatento ao contexto, passou a anunciar sua sorte e a dos outros preso a pobre realejo.

Um comentário: